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IFRS e as pequenas e médias empresas
(*)
Luciano Tadeu Lucci De Biasi
O
Brasil adotou o padrão contábil internacional (IFRS) em 2008 e, ao longo deste e
dos dois anos seguintes, as normas internacionais de contabilidade foram
traduzidas, adaptadas e promulgadas para serem compulsoriamente aplicadas por
todas as empresas, independentemente do porte da organização. Havia apenas um
padrão específico mais enxuto aplicável para pequenas e médias empresas, o CPC
PME (tradução literal do IFRS SME), e um padrão IFRS “full”
obrigatoriamente para empresas de grande porte ou opcionalmente para as
demais.
De
acordo com a Lei 11.638/07, uma empresa é considerada pequena ou média se
auferir um faturamento anual inferior a R$ 300 milhões e tiver um ativo total
menor que R$ 240 milhões. Empresas que estão acima desses patamares são
obrigadas a adotar o padrão IFRS completo (IFRS “full”). Dentro desse
universo de pequenas e médias estão inclusas tanto as microempresas quanto
aquelas de tamanho considerável. Assim, o padrão contábil IFRS no Brasil trata
da mesma forma uma companhia que fatura R$ 250 milhões e uma pequena padaria. E
esse é apenas o primeiro problema.
Para
se adequar ao novo padrão contábil, muitas empresas tiveram que consultar
especialistas, avaliadores, além de adaptar os seus Sistemas Integrados de
Gestão Empresarial (SIGE ou SIG) - em inglês, Enterprise Resource
Planning (ERP) - ao novo padrão. E essas ações precisam de investimentos que
podem ser significativos.
Por
imposição do novo padrão IFRS, por exemplo, as empresas tiveram que reavaliar a
vida útil de seus ativos imobilizados e foram encorajadas, na transição para a
nova norma, a adotar o valor justo (virtualmente o valor de mercado) para
valoração desses ativos, além de outras demandas. Para atender a essas
exigências, as empresas tiveram que obter laudos técnicos para embasamento dos
novos valores de ativos, como taxas de depreciação, por exemplo, custos esses
que podem ser impraticáveis para pequenas organizações.
Adicionalmente,
por essas empresas serem de pequeno porte, geralmente não têm estrutura para
desenvolver uma política de governança corporativa com o consequente
aprimoramento de controles internos.
Normalmente, as pequenas trabalham com pessoas multifuncionais e pouco
espaço hierárquico para executar uma política de supervisão e controle e o
desenvolvimento de manuais de procedimentos e práticas de controles internos. O
novo padrão exige uma maior integração entre administração e contabilidade nas
tomadas de decisões estratégicas. Porém, nas empresas de pequeno porte,
geralmente é o “dono” quem decide tudo. Muitas vezes, não há um departamento de
contabilidade no negócio, restringindo-se somente à escrituração do livro-caixa,
pois são empresas assessoradas por escritórios de contabilidade também de
pequeno porte, especializados somente em empresas optantes pelo SIMPLES e pelo
Lucro Presumido.
Ainda
que essas empresas tivessem um porte maior e fossem obrigadas ou optassem pela
tributação pelo Lucro Real, portanto, obrigadas a elaborar as demonstrações
financeiras, elas não são obrigadas a publicá-las. Sendo assim, elas não veem
como prioritária a necessidade de se adequar às novas normas, uma vez que o
usuário interno é quem mais utiliza a informação contábil, e não o
externo.
Soma-se
a isto o fato de que, ainda hoje, a Receita Federal do Brasil não aceita o novo
padrão contábil como base inicial de cálculo dos tributos federais IRPJ, CSLL,
PIS e COFINS. Assim, as empresas que adotaram o padrão IFRS têm que efetuar
diversos ajustes como forma de anular todo e qualquer impacto que possa haver
com a adoção do novo padrão contábil na base de cálculo dos quatro tributos
federais citados acima. Desse modo, retorna-se ao lucro contábil que seria
apurado caso o novo padrão contábil não fosse adotado.
Finalmente,
outro componente que desencoraja a maioria das PMEs a adotar o padrão IFRS é o
fato de que não há punição às empresas que não o adotam. O Conselho Federal de
Contabilidade (CFC) tem somente o poder de exigir que os contadores sigam o
padrão contábil em vigor sob pena de punição em uma eventual
fiscalização.
Assim,
notamos que, na grande maioria dos casos, a adoção do novo padrão IFRS nas
pequenas e médias empresas ocorre somente por necessidade de mercado. Empresas
que procuram financiamentos de longo-prazo, que estão em fase de pré-M&A –
fusões e aquisições – ou que são reguladas por órgãos governamentais são
exemplos de empresas que se sentem obrigadas ou motivadas a adotar o novo padrão
contábil. Há também aqueles raros casos de empresas de pequeno porte com um
sistema de governança corporativa bem-estruturado e que fazem de suas
demonstrações financeiras e de seus controles internos importantes ferramentas
administrativas.
Portanto,
o incentivo à adoção do novo padrão contábil poderia criar um padrão para
empresas extremamente pequenas, dispensando-as de obrigações custosas para a
manutenção de uma contabilidade mais simples. O Comitê de Normas Internacionais
de Contabilidade (IASB, na sigla em inglês), órgão internacional responsável por
elaborar e promulgar o IFRS, está em processo de desenvolvimento de uma subseção
da IFRS PME, com as principais normas e princípios aplicáveis às microempresas.
A publicação desta subseção está prevista para o início deste ano.
Adicionalmente,
deveria também ser exigido que empresas de médio porte fossem obrigadas a ter
seus balanços auditados por auditores independentes para fins de registro do
comércio e outras exigências legais. O que também poderia motivar a adoção do
IFRS SME seria a exigência por partes das instituições financeiras de
demonstrações financeiras auditadas de forma mais incisiva para empréstimos e
recursos de grande monta, ou para fins de cadastro.
Também
poderia ser desenvolvido um programa de educação continuada obrigatório para os
contadores nos moldes do que já existe para os auditores independentes. Esses
treinamentos poderiam ser oferecidos pelos Conselhos Regionais de Contabilidade,
pelas entidades de classe da categoria e/ou por institutos de ensino privados e
escritórios de contabilidade e auditoria contábil credenciados pelo
CFC.
Outro
aspecto muito relevante e o que fortemente motivaria as empresas a se enquadrar
no IFRS PME seria a aceitação por parte da SRF do referido padrão contábil como
ponto de partida para o cálculo de contribuições e impostos federais.
Finalmente,
é necessário fortalecer a fiscalização mais incisiva sobre os profissionais de
contabilidade em geral, no que tange à aderência ao padrão IFRS das
demonstrações financeiras preparadas por eles. Desta forma, é possível que
cresça a adesão de empresas de pequeno e médio porte a ela. Porém, até isso tudo
ser implementado, teremos no Brasil um número significativo de empresas gerando
demonstrações financeiras com base em um padrão contábil que não mais
existe.
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Luciano Tadeu Lucci De Biasi é sócio-diretor da De Biasi Auditores Independentes
(www.debiasi.com.br)
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